A anulação das ações movidas pela Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrirá caminho para que executivos da Odebrecht que se tornaram colaboradores da Justiça se livrem de condenações e até recuperem parte do patrimônio confiscado pelas autoridades.
O patriarca da família que controla o grupo, Emílio Odebrecht, deverá ser um dos beneficiados. Ele foi condenado por lavagem de dinheiro numa das ações anuladas agora, que tratou das reformas feitas por empreiteiras no sítio de Atibaia (SP) que Lula passou a frequentar após deixar a Presidência.
É improvável que Emílio volte a ser condenado nesse caso, mesmo se o Ministério Público Federal conseguir reconstituir o processo contra o líder petista em outra jurisdição, porque os prazos para abertura de ações contra acusados com mais de 70 anos de idade são reduzidos. Emílio Odebrecht tem 76.
Ao anular as quatro ações movidas pela antiga força-tarefa da Lava Jato no Paraná contra Lula, o Supremo Tribunal Federal encaminhou os processos à Justiça Federal de Brasília. O STF também invalidou provas do caso do tríplex de Guarujá, medida que ainda poderá ser estendida às demais ações.
Com a ficha limpa, Emílio também poderá se livrar da obrigação de devolver recursos que recebeu da Odebrecht em contas secretas na Suíça, um dos compromissos que os colaboradores assumiram quando a empresa concluiu as negociações do acordo de leniência firmado com a Lava Jato em 2016.
Na época, o empresário declarou ter recebido nos dez anos anteriores R$ 148 milhões em pagamentos do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, o departamento criado pelo grupo para administrar recursos de caixa dois destinados a propinas e contribuições políticas clandestinas.
Emílio, seu filho Marcelo e outros 76 executivos da Odebrecht assinaram acordos de colaboração premiada com a Lava Jato, reconhecendo os crimes imputados a eles pelo Ministério Público e comprometendo-se a cooperar com os investigadores em troca de penas mais brandas para os delitos.
Uma cláusula comum a todos os acordos prevê a pena de perdimento para valores recebidos ilegalmente no exterior, mas Emílio, Marcelo e outros executivos que declararam ter recebido recursos por fora ainda não honraram esse compromisso e discutem no Supremo os valores que devem pagar.
Embora Emílio tenha se comprometido com o pagamento ao assinar o acordo de colaboração, advogados que acompanham as ações no STF afirmam que há espaço para reavaliar a obrigação no caso de acusados sem condenação judicial, por causa do caráter complementar da pena de perdimento.
O acordo da Odebrecht foi o maior negociado pela Lava Jato. A empresa admitiu ter pago US$ 788 milhões em propina no Brasil e em outros 11 países, e concordou em pagar multa de R$ 3,8 bilhões para voltar a fazer negócios com o setor público, além de R$ 535 milhões em multas dos executivos.
Em 2016, os procuradores calcularam que seria possível recuperar mais R$ 584 milhões com o perdimento dos valores pagos a executivos no exterior, mas até agora a Justiça só recebeu R$ 21 milhões, conforme balanço divulgado em dezembro pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, 19 colaboradores da Odebrecht declararam recursos recebidos ilegalmente no exterior. Somente 6 depositaram integralmente os valores do perdimento, 4 ainda estão pagando e 9 foram ao STF para rediscutir valores. As ações tramitam sob sigilo.
Na época em que o acordo com a Lava Jato foi negociado, Emílio declarou que havia gasto a maior parte dos recursos que recebera ilegalmente da Odebrecht na Suíça, restando pouco mais de US$ 300 mil em suas contas. A empresa pagou à Justiça multa de R$ 69 milhões em nome do patriarca.
Outro colaborador que pode ficar livre do perdimento é o ex-presidente da empresa Pedro Novis, que dirigiu o grupo antes da ascensão de Marcelo Odebrecht. Embora tenha admitido crimes, ele não é réu em nenhum dos processos abertos pela Lava Jato até agora e já tem mais de 70 anos.
O ex-diretor da empreiteira Carlos Armando Paschoal, que também foi condenado no caso do sítio de Atibaia e tem mais de 70 anos, é outro que deve colher benefícios com a anulação do processo de Curitiba. Ele ainda é réu em duas ações em São Paulo, que tratam de obras do metrô e do Rodoanel.
Apenas 13 dos 78 colaboradores da Odebrecht já receberam alguma condenação na Justiça e começaram a cumprir as penas previstas em seus acordos com a Lava Jato, segundo a Procuradoria-Geral da República. Em geral, cumprem prisão domiciliar, com liberdade para sair durante o dia.
Três colaboradores que tinham penas reduzidas e queriam se livrar logo de complicações foram autorizados pelo STF a antecipar o cumprimento de suas penas mesmo sem acusação formal na Justiça. Os demais estão num limbo jurídico, sem processo e sem saber quando cumprirão as penas.
Embora a maioria tenha enfrentado dificuldades para voltar a trabalhar após a delação, todos têm situação financeira relativamente confortável. A empresa concordou em pagar advogados e indenizações milionárias para os que se tornaram colaboradores, até terminarem de cumprir suas penas.
Com dificuldades para renegociar suas dívidas e voltar a atuar no setor de construção civil, a Odebrecht buscou proteção da Justiça e entrou em recuperação judicial em 2019. No ano passado, o grupo mudou seu nome para Novonor, com o aval da família que controla o conglomerado.
Fonte :Por Ricardo Balthazar, da Folhapress.
Folha de PE.
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