Alguns ditados são assimilados e viram dogmas que resistem a qualquer impugnação da sua validade. A justiça tarda, mas não falha, segue essa tradição como uma espécie de consolo. Para a família Hacker, envolvida no triste episódio da morte do garoto Miguel, de apenas cinco anos, que despencou de uma altura de 35 metros no Recife e morreu, depois de ser abandonado no elevador do prédio por Sari Corte Real, esposa do então prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), a justiça no campo da política, felizmente, tardou muito pouco.
Na verdade, veio a jato, pelo voto nas eleições de 15 de novembro do ano passado, cinco meses após a tragédia nas torres gêmeas do Cais de Santa Rita. O justiceiro, o novo prefeito de Tamandaré, Isaias Honorato da Silva, o popular Carrapicho (Republicanos), tirou de cena o grupo Hacker, pondo fim a uma oligarquia de mais de 30 anos. Carrapicho desbancou a opulência reproduzindo a velha política do tostão contra o milhão. É produto de um contraste radical ante a riqueza dos Hacker.
Nascido no canavial, entre Rio Formoso e Tamandaré, filho de cortadores de cana, o carrasco dos Hacker é um homem pobre. Ganha a vida desde cedo, tão logo perdeu os pais, como pintor e lanterneiro, depois fez um curso para marinheiro e passou a pilotar embarcações de pequeno porte de gente famosa na área empresarial e política. Nas horas vagas, cata caranguejo e siri para aumentar a renda no sustento de quatro filhos.
No primeiro dia como prefeito, após uma campanha radicalizada na qual foi até ameaçado de morte, amanheceu pelas ruas catando lixo, reforçando o serviço de limpeza urbana da cidade. “Nunca tive vergonha de nada. Fui recolher o lixo porque estou acostumado a dar duro na vida e agora, como prefeito, tive que dar a minha colaboração para a limpeza da cidade, completamente abandonada pelo meu antecessor”, diz Carrapicho.
Ele teve 54% dos votos válidos sem apoio de ninguém, com exceção dos deputados Silvio Costa Filho (Republicanos) e Romero Sales Filho (PTB). Do lado empresarial, apenas Fernando Ferraz, seu amigo de longa data, estendeu as mãos. “Foi a campanha do liso. O povo dizia: 'vou votar no liso'”, relembra. Carrapicho não é um aventureiro nem caiu de paraquedas na politica de Tamandaré. Levado pelo voto popular, antes de chegar ao poder, teve dois mandatos de vereador, mas no meio do segundo deu açoites numa sessão da Câmara e derrubou, literalmente, a mesa e a tribuna da Casa.
Punido, foi afastado um ano e meio, mas voltou graças a uma ação na Justiça bancada por um movimento popular. “O advogado custou R$ 45 mil, mas quem pagou foi o povo fazendo rifa e todo tipo de mobilização que se possa imaginar”, conta ele. A reação violenta e física da tribuna se deu, segundo ele, por perseguição ao seu trabalho em favor de recuperação de jovens das drogas. “Como capoeirista, dou aulas em comunidades pobres com taxa muita alta de jovens envolvidos com drogas”, afirma.
De retorno ao parlamento municipal, Carrapicho foi estimulado a disputar a eleição para prefeito em 2016, não derrotou os Hacker, mas teve seis mil votos. Quatro anos depois, a população foi às ruas comemorar sua chegada ao poder no embate do rico contra o pobre, com um detalhe que enfureceu ainda mais os tamandareenses: derrotar Sérgio, o marido da mulher que, por omissão, permitiu que um garoto despencasse do 9º andar depois de ser abandonado por ela no elevador.
O CASO MIGUEL – O menino Miguel Otávio Santana da Silva, de apenas cinco anos, morreu após cair do 9º andar de um prédio de luxo no Centro do Recife, em junho do ano passado. No momento do acidente, ele tinha sido deixado pela mãe — que é doméstica e estava na parte de baixo do prédio passeado com o cachorro dos patrões — aos cuidados da patroa dela, a primeira-dama de Tamandaré, Sari Corte Real. A patroa foi presa em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e solta após pagar fiança de R$ 20 mil.
PAGA PELA VIÚVA – Mais tarde, foi descoberto que a mãe do menino era funcionária comissionada da Prefeitura desde 2017. O caso passou a ser investigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e por um inquérito do Ministério Público de Pernambuco. Acessando o portal da Transparência foi possível descobrir, também, que Mirtes estava na Prefeitura como gerente de divisão CC-6, lotada no setor de "Manutenção das atividades de administração", com admissão no dia 1º de fevereiro de 2017. A carga horária semanal dela na gestão municipal era de zero horas.
MORTE 1 – Relembrando o caso: Miguel foi para o trabalho com a mãe por estar sem aulas na creche devido às medidas de quarentena para reduzir o contágio de Covid-19. Ele não podia ficar aos cuidados da avó naquele dia porque ela precisava buscar uma receita médica e ir ao banco. Mirtes seguia trabalhando, mesmo não sendo o serviço doméstico considerado essencial no período de pandemia. Durante a manhã, Miguel brincou com a filha dos patrões dentro do apartamento, que fica no 5º andar do prédio de luxo.
MORTE 2 – A mãe dele precisou descer com o cachorro de estimação dos patrões e avisou à patroa que as crianças não iriam junto porque estavam dando trabalho. Segundo a polícia, enquanto Mirtes estava na parte de baixo do prédio, a criança quis encontrá-la. A patroa, que estava no apartamento com uma manicure que fazia as unhas dela, deixou o menino ficar sozinho no elevador para procurar a mãe. As câmeras do condomínio mostram que Miguel foi do 5º até o 9º andar sozinho. A polícia acredita que ele se perdeu enquanto tentava achar a mãe. A polícia informou que, no hall no 9º andar, o menino foi até a área onde ficam peças de ar-condicionado. Ele escalou a grade que protege os equipamentos e caiu de uma altura de 35 metros. Uma das peças da grade ficou quebrada e tem marcas dos pés da criança.
CURTAS
DERROTA – A família Hacker dominava três municípios no Litoral Sul do Estado – Tamandaré, Rio Formoso e Sirinhaém, mas só conseguiu se manter em Rio Formoso, reelegendo Isabel, mãe de Sérgio, ex-prefeito de Tamandaré. Em Sirinhaém, perdeu para Camila Machado (PP). Em Tamandaré, Carrapicho tem planos para fomentar o turismo. Ele quer de imediato dar toda estrutura a um grupo do Sul que está abrindo um parque temático na cidade numa área semelhante à extensão do Beach Park, no Ceará.
APOIO ALAGOANO – A maioria dos deputados de Alagoas, Estado de Arthur Lira (PP), declarou apoio a ele na corrida pela presidência da Câmara dos Deputados, segundo a assessoria do candidato. Dos nove deputados do Estado, cinco declararam apoio: o próprio Lira, Sérgio Toledo (PL-AL), Severino Pessoa (Republicanos-AL), Nivaldo Albuquerque (PTB-AL) e Marx Beltrão (PSD-AL). Eles tiveram reunião sábado passado.
Perguntar não ofende: Na disputa pela Presidência da Câmara, quem é mais governista: Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro, ou Baleia Rossi, apoiado por Rodrigo Maia?
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