A live da última quinta, na qual o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), utilizou uma série de informações falsas para colocar em xeque a credibilidade da urna eletrônica, foi o mais recente e incisivo movimento da escalada do mandatário visando a instabilidade do pleito de 2022. Apesar de não apresentar provas, o presidente segue firme no seu objetivo de trazer a desconfiança com o sistema eleitoral para o centro do debate.
Na live, além de colocar em xeque a lisura do sistema e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barros, o presidente buscou interligar a possibilidade de "manipulação" das urnas à presença do ex-presidente Lula (PT) no pleito de outubro. A construção da narrativa bolsonarista, portanto, segue a linha de que ele já foi vítima de manipulação em 2018 (ele defende que deveria ter sido eleito em 1º turno) e será novamente vítima em 2022.
As últimas declarações incomodaram o Supremo Tribunal Federal (STF) e TSE e, nos bastidores, é levantada, inclusive, a possibilidade que Bolsonaro e assessores que atuaram na divulgação de fake news sobre as eleições na live, sejam investigados no âmbito criminal, e que suas declarações sejam passíveis de punição no âmbito eleitoral.
Respostas insuficientes
A interpretação entre os magistrados é de que as respostas institucionais não são suficientes para frear o ataque de Bolsonaro às urnas. O ministro Gilmar Mendes afirmou que a discussão em torno do voto impresso é "uma falsa questão" que omite outras intenções. "Essa ideia de que, sem voto impresso, não podemos ter eleições ou não vamos ter eleições confiáveis, na verdade, esconde talvez algum tipo de intenção subjacente, de uma intenção que não é boa", afirmou, acrescentando que é preciso parar de "conversa fiada".
Antes mesmo da live de Bolsonaro, Barroso afirmou, na última quinta, que "o discurso de que ‘se eu perder houve fraude' é um discurso de quem não aceita a democracia".
Recado mais forte
Na intenção de mandar um recado mais forte, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, deve utilizar o discurso de retomada dos julgamentos da corte após o recesso, na segunda, para responder às declarações do presidente e do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que mandou um interlocutor avisar ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) que, caso não houvesse voto impresso, não haveria eleições em 2022.
“O problema é termos algo semelhante com o que ocorreu nos EUA no início do ano. Ter o discurso dele de que perdeu por fraude, atiçar a base e tentar deslegitimar o novo presidente. As instituições podem sim frear Bolsonaro, mas acredito que teremos episódios de violência política”, avalia Antônio Lucena, cientista político e professor. “O TSE reagiu e está sendo mais duro, mas acredito que Luiz Fux e Barroso também deveriam ter sido mais rígidos com Bolsonaro. Toda a família Bolsonaro se elegeu por esse sistema (eleitoral) creio que isso deveria ser deixado mais claro”, acrescenta Lucena.
O cientista político Alex Ribeiro frisa que a narrativa criada em favor do voto impresso enfraquece a democracia. Para ele, com os contínuos acenos de Bolsonaro visando o acirramento de ânimos sobre o tema, as instituições precisam agir. "Cabe agora aos poderes Legislativo e Judiciário acharem meios para frear as teorias conspiratórias. Seja com declarações mais direcionadas aos órgãos e sujeitos políticos que levantam esses discursos considerados antidemocráticos ou até estudar punições jurídicas", diz.
A punição pode ainda ser financeira. A Rede Sustentabilidade apresentou, na sexta, um mandado de segurança ao ministro Gilmar Mendes solicitando que Bolsonaro seja multado em R$ 500 mil a cada nova manifestação que fizer sugerindo a existência de fraude.
Voto impresso
Na sexta, Arthur Lira afirmou que não enxerga chance da PEC do voto impresso, ser aprovada na comissão especial da Câmara . Com isso, ela sequer iria ao plenário. "A questão do voto impresso está tramitando na comissão especial, o resultado da comissão impactará se esse assunto vem ao plenário ou não. Na minha visão, tudo indica que não", afirmou Lira. O presidente da Casa avalia que o texto não conquistará apoio suficiente para prosperar entre os parlamentares.
A aposta do relator da PEC, Felipe Barros (PSL-PR) é que o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, consiga convencer os deputados sobre o prosseguimento do projeto, que deve ser votado na próxima quinta na comissão. A tarefa não será simples. Uma pesquisa qualitativa recente feita pelo Instituto Ideia apurou que 14 de 18 presidentes de partidos ouvidos tendem a rejeitar o voto impresso. Mesmo que Ciro seja eficiente na suposta tentativa de convencer os parlamentares, a PEC precisaria ser aprovada por 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores, em dois turnos.
O processo teria que ser célere, uma vez que, para que o novo sistema seja válido já para as eleições do ano que vem, a PEC precisa ser promulgada até o início de outubro de 2021.
O retorno da crise entre o presidente e o STF ganhou força, justamente, quando os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso estiveram reunidos com presidentes partidários para convencê-los de que a PEC não deveria prosperar. A movimentação se deu depois da ameaça do ministro da Justiça, Braga Netto.
Em meio ao movimento adverso em relação ao voto impresso, o presidente afirmou, ontem, que vai vetar o aumento do fundo eleitoral que exceda a inflação registrada a partir de 2018. Caso cumpra o que diz, o fundo contaria com cerca de R$ 2 bilhões, menos da metade dos R$ 5,7 bilhões previstos pelo Congresso. Para Alex Ribeiro, Bolsonaro aposta na "barganha diante do eterno confronto com as instituições". "A questão do voto impresso é impopular, os atores políticos do Congresso sabem disso. Então, a previsão é que o presidente manterá a narrativa contra a classe política, algo que o ajudou nas últimas eleições e na sua popularidade nos primeiros meses de mandato”.
Fonte :Por João Vitor Pascoal.
Blog da Folha de PE.
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