sábado, 16 de novembro de 2019

Filósofo diz que Lula não faz discurso radical, após sair de Curitiba





Por Demétrio Magnoli, em sua coluna na Folha de São Paulo neste sábado
As palavras “radicalismo” e “polarização” atravessaram o ar, logo depois do discurso de Lula em São Bernardo do Campo (SP), há uma semana. Os analistas, em modo automático, fixaram-se na superfície retórica, ignorando as três curtas frases que formam o núcleo da mensagem do líder petista. De fato, não há “radicalismo”, muito pelo contrário -e a “polarização” é uma oferenda que o centro político deposita nos altares do atual e do ex-presidente.

Paulo Guedes, acusou Lula, seria um “demolidor de sonhos” e um “destruidor de empregos e empresas públicas brasileiras”. Novidade nenhuma. A rejeição total da agenda de reformas reflete menos uma posição ideológica e mais a necessidade de proteger o espólio lulopetista. O PT não está autorizado a revisitar o populismo econômico de seu segundo mandato e do consulado dilmista.

O líder frustra os intelectuais sensatos que giram na órbita petista, proibindo aquilo que, na linguagem política italiana, chama-se aggiornamento: a reavaliação crítica do passado, a atualização de uma orientação estratégica.

O veto serve ao próprio Lula, “um viciado em si mesmo” (Millôr Fernandes), pois prende seu partido e as legendas auxiliares (Psol, PCdoB) à pesada âncora do lulismo. Serve, ainda, a Bolsonaro, oferecendo-lhe argumentos substantivos na sua perene campanha contra a esquerda. Mas faz mal ao país, que precisa de uma esquerda moderna, e ao PT, que fica marcado a ferro como um partido incapaz de aprender com seus erros.

“Governar para o povo brasileiro, não para os milicianos do Rio de Janeiro.” No seu disparo mais contundente, Lula iluminou a suspeita crucial que paira sobre o clã presidencial. “Radicalismo”? Só se resolvermos, como nação, aceitar a hipótese de um governo associado ao crime organizado.

A palavra “milicianos” circula nas esquinas -e com bons motivos. A sua ausência quase completa no discurso dos líderes e partidos do centro político é um dos sintomas da renúncia deles a fazer oposição a Bolsonaro. João Doria parece almejar algo como um “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Luciano Huck esquiva-se, tanto quanto possível, de polarizar com o presidente.

O protagonismo oposicionista de Lula emerge da abdicação dos demais atores. Obviamente, como tantos registraram, a polarização rende frutos aos dois polos, estreitando os horizontes do debate público.

A vadia preferência pelo óbvio obscurece o cerne da mensagem de Lula. “Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro, tem gente que fala em impeachment. Veja, esse cidadão foi eleito. Democraticamente nós aceitamos o resultado da eleição. Esse cara tem um mandato de quatro anos.”

O suposto radical, o desvairado incendiário, está erguendo uma muralha diante do PT e das legendas auxiliares. De fato, interdita, para sempre, ao menos entre os seus, o recurso ao impeachment. Bolsonaro esqueceu de agradecê-lo.

Lula nunca recuou face à contradição lógica, e não o faz agora. Se ficar provada a aliança entre o clã presidencial e as milícias, o remédio democrático atende pelo nome de impeachment. Mas aqui, como na economia, o líder petista está preso à armadilha da narrativa que formulou para preservar a aura do lulismo nos domínios da esquerda.

O impeachment corta o mandato de quem perdeu as condições políticas para governar. No processo, o Congresso -não um partido singular- decide se uma violação da regra do jogo constitui crime de responsabilidade. Ao qualificar como “golpe” o impeachment de Dilma, Lula e o PT praticamente descartaram a legitimidade da instituição do impeachment. O tabu tem consequências: do lulopetismo não partirá, sob nenhuma circunstância, uma iniciativa de interrupção do mandato de Bolsonaro.

Que ninguém se preocupe. Lula tem os olhos fixados nas urnas de 2020 e 2022 -e sabe que sua melhor chance é aparecer como única oposição real ao governo.

Fonte: Blog de Jamildo

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