O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), protocolou, na sexta, no Senado, um pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF, Alexandre de Moraes, - o primeiro na história nacional - jogando ainda mais gasolina na tensão entre os Poderes, que encontra-se em nível extremo.
A escalada do presidente contra o STF ganhou mais um degrau justamente no mesmo dia em queMoraes autorizou 13 mandados de busca e apreensão contra seus apoiadores, como o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) e o cantor Sérgio Reis. Na semana passada, Moraes já havia mandado prender preventivamente o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, outro bolsonarista.
No começo do mês, no episódio que marcou o início do contra-ataque das instituições ao presidente, diante de suas ameaças à realização das eleições, Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news, que já tramita no STF. A sequência de episódios tornou Moraes um dos alvos favoritos do presidente e dos bolsonaristas e o pedido de impeachment surge como uma tentativa que, no entanto, não deve prosperar.
Pacheco não deve acatar
Ainda na sexta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deu mais um indicativo de que não deve acatar o pedido. Em sua fala, manteve o tom ponderado e buscou não criticar a ação de Bolsonaro. "Não antevejo fundamentos técnicos, jurídicos e políticos para impeachment de ministro do Supremo, como também não antevejo em relação ao presidente da República. O impeachment é algo grave, excepcional, de exceção, e que não pode ser banalizado. Mas cumprirei o meu dever de, no momento certo, fazer as decisões que cabem ao presidente do Senado", disse Pacheco.
Por meio de nota, o STF repudiou o pedido protocolado. "O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionados nas vias recursais próprias, obedecendo o devido processo legal", afirma a nota que ainda ressalta a "total confiança" da corte na "independência e imparcialidade de Alexandre de Moraes" e afirma que aguardará "de forma republicana a deliberação do Senado".
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que tornou-se alvo constante de Bolsonaro e de sua militância por conta da atuação como relator da CPI da Covid, considerou o pedido de impeachment de Moraes a "gota d'água" na relação com Bolsonaro. "Nunca se viu nas democracias um desvario igual ao de Bolsonaro ao propor o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O ataque é a gota d’água para os democratas. Obviamente, o pedido não prosperará e tem meu voto antecipado: não", afirmou. Humberto Costa (PT) também reagiu ao que considerou uma "vergonha". "Um presidente da República que ameaça a independência entre os Poderes, desrespeita a Constituição e atenta contra o Estado de Direito, pedir o impeachment de um ministro do Supremo que está cumprindo seu dever e salvaguardando a democracia. Destino do pedido: arquivo", garantiu.
Jogando para a torcida
A cientista política e professora Priscila Lapa frisa que a intenção de Bolsonaro será atingida independentemente da resposta do Senado. "É uma tentativa de desgastar. Bolsonaro transfere para outro ator que recebe o pedido o poder de decisão. Provavelmente não vai conseguir concretizar o desejo dele, mas joga para a plateia, dizendo que a parte dele foi feita, criando mais uma narrativa de que o Supremo está extrapolando, não está cumprindo seu papel constitucional. Não terá maiores repercussões práticas, mas terá repercussão de discurso político", avalia.
Antônio Lucena, cientista político e professor, acredita que a estratégia do presidente visa "manter sua base (de militância) ativa", apesar do seu derretimento eleitoral constatado em pesquisas. "Ele tá dobrando a aposta, está escalando o conflito", frisa Lucena.
Na letra da Lei
A subida de tom de Bolsonaro contra os ministros do Supremo busca um amparo legal na Lei nº 1.079/1950. A legislação versa sobre o impeachment dos ministros, crimes de responsabilidade e já foi usada na história recente com sucesso, nos casos dos ex-presidentes Dilma e Fernando Collor. No entanto, de acordo com o especialista em direito constitucional, João Paulo Allain Teixeira, a investida pode virar contra o próprio presidente.
“Esse tipo de ação partindo do presidente da República pode caracterizar mais um tipo de crime de responsabilidade do presidente, de se colocar como intimidador”, avalia. O especialista confirma que o contexto político é importante como pano de fundo para definir os rumos do processo. A legislação cita cinco crimes de responsabilidade possíveis para ministros do Supremo dentro do artigo 39 da Lei, entre eles: proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade político-partidária; proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
Foi esse o artigo que Bolsonaro citou ao pedir o impeachment. A partir de agora, o projeto será organizado pela assessoria técnica do Senado. O presidente, diga-se de passagem, assinou o processo sozinho,sem assinatura da AGU. “Cabe a AGU defender os atos institucionais. As funções são muito bem definidas e cabe a AGU defender a União”, explicou Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Constitucional, ao explicar que a função da Advocacia Geral da União é se comportar como advocacia de Estado e não de governo.
Ainda segundo Miranda, o clima de “tensionamento entre os poderes” tem sido uma estratégia recorrente do presidente para “desacreditar o Supremo”. “Quando nós olhamos um processo, duas circunstâncias são óbvias: há uma circunstância jurídica, existe jurisprudência a favor desses atos e existe contrária. Essa é a dicotomia do direito. Nós nos deparamos com situações como essa o tempo inteiro na prática jurídica, mas eu acho que o presidente tem usado essa estratégia para desacreditar e colocar o Supremo nesta posição de descrédito”, avaliou.
Fonte:Blog da Folha de PE.
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