Temer bem que tentou se esconder, mas acabou criticando indulto de Bolsonaro
EDU GARCIA/R7 - 29.04.2022Um grande evento do meio jurídico realizado quinta-feira (28) e sexta-feira (29) em São Paulo reuniu alguns dos personagens envolvidos direta ou indiretamente nos recentes episódios que aumentaram a tensão entre os poderes Judiciário e Executivo do país. Mas os assuntos Daniel Silveira e as ameaças às eleições ficaram restritos aos corredores do Hotel Renaissance, na região dos Jardins.
Três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), incluindo o presidente do tribunal, Luiz Fux, estiveram sexta-feira no evento Arbitragem – Conquistas e Desafios, promovido pela Escola de Negócios Trevisan com a parceria da Apamagis (Associação Paulista da Magistratura), da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e da Ajufe (Associação dos Juízes Federais). Além dele, discursaram Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
Os três, no entanto, só falaram no palco sobre arbitragem (método de resolver litígios por meio de um árbitro externo, sem a necessidade de levar o caso à Justiça) ou de outros temas técnicos do setor jurídico.
O único integrante do Supremo que aceitou conversar com os repórteres foi Lewandowski. Mas não disse muito. Ele disse que há uma busca constante de harmonia entre os poderes e minimizou as ameças às eleições em 2022 dizendo que elas vão ocorrer naturalmente, sem riscos.
"O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] está tomando todas as providências para que não haja nenhuma interferência na expressão livre da vontade popular mediante as fake news que vão ser divulgadas", opiniou, referindo-se aos riscos de propagação de mentiras pelas redes sociais.
Quando as perguntas se direcionaram às ameaças feitas por grupos radicais, Lewandowski afirmou que as disputas eleitorais são sempre acirradas e esta de 2022 só segue essa regra. "Vejam na França, dois grupos antagônicos que se odeiam e as eleições foram levadas a bom termo."
Ele também não quis falar sobre o presidente Jair Bolsonaro, que horas depois de o STF condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) perdoou seu aliado político. Na ocasião, o chefe do Executivo disse ainda que pode não respeitar outras decisões da Justiça e voltou a acusar as urnas eletrônicas de serem facilmente manipuladas.
Lewandowski se limitou a comentar, sem citar nomes, que "não existe hoje nenhum político com esse poder de desestabilizar as instituições brasileiras".
Moraes e Fux, que abriram o evento na sexta-feira recusaram os pedidos para falar com os repórteres.
Não é verdade, porém, que Moraes não tivesse o que dizer. Em um evento à tarde, no TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro), o ministro do STF defendeu o sistema de votação do país.
"Cada um dos juízes eleitorais deve se sentir indignado contra esse discurso fraudulento, mentiroso e criminoso que desqualifica uma das grandes conquistas desse país, que é a lisura do sistema eleitoral", afirmou no TRE. E foi além: "Nunca houve comprovação de fraude nas urnas. Quem diz o contrário diz por ignorância, má-fé ou os dois".
Ministros do STF Moraes e Fux (ambos à direita) só falaram sobre assuntos jurídicos
EDU GARCIA/R7 - 29.04.2022O ex-presidente Michel Temer (MDB), autor de livros de direito constitucional e ex-professor da área, também esteve no Renaissance na sexta. Discursou por vinte minutos, assistiu a quatro painéis sobre arbitragem e bem que tentou ficar apenas no assunto jurídico.
Em sua saída do auditório do hotel, no entanto, os jornalistas o questionaram sobre o conselho que deu a Bolsonaro e prontamente recusado pelo presidente de retirar o indulto concedido a Silveira. Temer acredita que apesar de ter o direito constitucional de perdoar os crimes do deputado, o momento correto para isso seria após o final do processo.
"Eu não fui chamado para isso, quero deixar claro. Só tomei a liberdade de lançar uma nota, na qual eu sugeri que o presidente revogasse aquele decreto e aguardasse o transito em julgado. Mas ela [sua sugestão] não foi levada adiante."
Na opinião não muito firme de Temer, "o presidente talvez tenha, digamos assim, lançado uma mensagem para aqueles que o acompanham, uma conjectura minha, não tenho certeza".
O ex-presidente admitiu, no entanto, que o indulto criou um clima ruim entre o Judiciário e o Executivo "e isso não faz bem ao Brasil".
"Ele [Bolsonaro] exerceu uma competência constituicional, é fato, mas acho que não foi hábil politicamente. Devemos sempre defender o diálogo e a harmonia", analisou.
Moraes explicou no seminário promovido pela Trevisan que é urgente se discutir a arbitragem, principalmente a relacionada à administração pública. "É necessário agilizar várias demandas para que o poder Judiciário possa se dedicar ao que é mais importante para o país: a defesa da democracia, do Estado de Direito e dos direitos fundamentais."
O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que as arbitragens atuais já são de extrema importância para o Judiciário, porque ajudam a reduzir as imensas pilhas de processos dos tribunais.
"No STJ, diariamente, nós acendemos uma vela no altar da arbitragem. E essa vela é renovada constantemente", brincou.
Ele citou que esse formato de resolução de conflitos tem uma história de sucesso no país de 25 anos. "Raríssimos os casos em que a gente reverte uma decisão arbitral, mas a judicialização continua muito forte", lamentou.
Segundo o ministro, é comum empresas derrotadas nesses litígios entrarem com recursos na Justiça tentando reverter a decisão, o que acaba atrasando todo o processo.
"Talvez seja o momento de pensarmos nas sanções processuais adequadas para evitar a judicialização predatória, oportunista e abusiva que acaba passando uma imagem errônea da arbitragem no Brasil", disse Cueva.
O professor de Direito da Universidade de Lisboa Eduardo Vera-Cruz Pinto disse, em bom português, que está errado quem aponta como defeito na arbitragem os supostos altos preços. "Ela não é cara. Para os empresários, tempo é dinheiro. Ela serve para diminuir aquilo que a formalidade processual do Judiciário muitas vezes emperra", explicou.
Vera-Cruz também sugeriu a redução da possibilidade de recursos. "É muito importante todos nós entendermos que o caminho não é recorrer ao Judiciário quando se tem a via arbitral como arma. Quando menos formos ao Judiciário, melhor."
Na quinta-feira, a presidente da Apamagis, juíza Vanessa Mateus, afirmou que a arbitragem é um modelo que precisa ser aprimorado e debatido urgentemente "porque o Judiciário atingiu um nível de esgotamento no Brasil que exige novas soluções".
O presidente do STJ, ministro Humberto Martins. disse que "ao Estado, por meio do Poder Judiciário, não cabe apenas aplicar normas, mas também oferecer aos cidadãos opções para suas demandas". E a arbitragem é, de acordo com ele, uma das principais ferramentas para atingir-se esse objetivo.
Fonte: Marcos Rogério Lopes, do R7.
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