Foto: Mauro Pimentel/AFP - 31/8/18 |
Depois da divulgação, na última sexta-feira, da nota do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a redução de recursos para proteção da Amazônia e do Pantanal, o governo decidiu recuar, ao menos, em relação ao corte de R$ 60 milhões previsto já para o Orçamento de 2020. O dinheiro não será mais contingenciado. DIante desse vaivém, uma das principais vozes políticas no Brasil pela valorização dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva aponta, em entrevista ao Correio, o “desmonte das políticas públicas na área de proteção ambiental” por parte do governo de Jair Bolsonaro como o principal motivo para o quadro preocupante da atualidade. “Há conivência do governo com desmatadores ilegais, com os que tocam fogo na floresta, com garimpeiros ilegais e grileiros”.
Conhecida pelo trabalho como ministra, que exerceu de 2003 a 2008, no governo Lula, Marina Silva acumula 33 anos de vida pública, tendo concorrido três vezes à Presidência da República. Foi deputada estadual e senadora pelo Acre e é reconhecida pela conduta política dentro e fora do Brasil. Entre as conquistas que obteve à frente da pasta está o Plano de Ação para Prevenção e o Controle do Desmatamento da Amazônia Legal, que integrou 14 ministérios e resultou na queda do desmatamento na Amazônia em 57% em três anos, além do desmantelamento de centenas de empresas ilegais. Aos 62 anos, a historiadora e professora filiada à Rede Sustentabilidade também critica a condução do país em meio à pandemia: “Está entre as piores do mundo”. Marina destaca, ainda, as ações do Congresso diante da maior crise sanitária do século, criticando a postura do PT e do PSDB por “continuarem não querendo reconhecer os erros que cometeram”, e pondera que ser oposição, hoje, no Brasil, é “sobretudo estar focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da dignidade humana e defender a democracia.” Veja os principais trechos da entrevista.
O Brasil registra aumento do desmatamento e das queimadas. De que forma a senhora enxerga esse momento do país?
No ano passado, já tivemos um grande aumento na taxa de desmatamento. Neste ano, estamos tendo, novamente, uma taxa muito alta e, olha, isso é reflexo do desmonte das políticas públicas na área de proteção do meio ambiente. O ministério (do Meio Ambiente) foi desmontado. Ele foi enfraquecido orçamentariamente e do ponto de vista de gestão e político. Tudo isso, deliberadamente. Além do mais, todos os sinais políticos que são passados é de que há conivência do governo com desmatadores ilegais, com os que tocam fogo na floresta, com garimpeiros ilegais e grileiros. Essa é a triste realidade que faz com que o desmatamento aumente de forma desenfreada. Há um discurso e uma prática que, o tempo todo, demonstra, claramente, uma relação de conivência com os ilegais, que demonstra uma expectativa de que haverá impunidade. Não vamos nos esquecer de que o Brasil domina formas institucionais legais de gestão de como combater desmatamento. O Brasil tem experiência exitosa do ponto de vista legal, de gestão e operacional nisso. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento é reconhecido no mundo inteiro como a maior e melhor política pública de enfrentamento ao desmatamento.
Pode detalhar o Plano de Prevenção do Desmatamento? Ele era sustentado em três diretrizes: combater práticas ilegais, apoiar as atividades produtivas sustentáveis e fazer o ordenamento territorial e fundiário.
Ele não só evitou desmatamento, como ampliou as áreas protegidas. Só no ano passado, no governo de Jair Bolsonaro, o Brasil foi responsável pela destruição de um terço das florestas virgens do mundo. De 2003 a 2008, durante a minha gestão como ministra do Meio Ambiente, nós fomos responsáveis por 74% das áreas protegidas criadas no mundo. Fomos responsáveis por reduzir o desmatamento em 83% durante 10 anos. Nesse período, fomos o país que mais reduziu a emissão de CO2 no âmbito do Protocolo de Quioto. Como a nossa maior emissão era em função das queimadas e dos desmatamentos, que estavam caindo, o Brasil pôde ser o primeiro país em desenvolvimento a assumir meta de redução de CO2. Tudo isso é uma demonstração de que é possível fazer. Como se não bastasse, fizemos isso quando a economia cresceu, em média, de 3% a 4% ao ano; o agronegócio, mais de 2%; enquanto o desmatamento caía.
Qual o impacto que os danos ambientais produzem na imagem do Brasil no resto do mundo?
Não podemos falar só dos danos à imagem, mas, sim, dos danos reais. O Brasil perdeu inteiramente o protagonismo no cenário ambiental mundial e passou a ser um pária ambiental. O Brasil era altamente respeitado em negociações internacionais e, agora, passou a ter restrições de investimentos, porque a União Europeia está indo no caminho de implementação de objetivos do investimento sustentável. O Brasil vai na contramão de tudo e de todos. A pressão que acontece sobre investidores — e a própria consciência dessas pessoas — é de que chegamos no limite em relação às emissões de CO2, à destruição de biodiversidade, dos ecossistemas e dos serviços ecossistêmicos. Ela faz com que, agora, os investimentos estejam sendo retirados do Brasil. Os prejuízos já são políticos, econômicos e, consequentemente, sociais. É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura. São prejuízos reais por uma ação deliberada do governo. Hoje, o agronegócio brasileiro paga o preço daqueles que acharam que era um bom negócio flexibilizar a proteção do meio ambiente — um péssimo negócio político, social, econômico e ambiental.
É possível reverter os danos gerados pelo aumento do desmatamento?
É possível. O governo não faz isso porque não quer. Não fez porque desmontou o que vinha funcionando, cortou orçamento e tem aliança com o que há de mais atrasado em relação à Amazônia. É possível reverter isso. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento é uma experiência concreta em três dimensões. Basta colocar para funcionar. No ano passado, no auge das queimadas, nós, ex-ministros do Meio Ambiente, levamos uma proposta para os presidentes da Câmara e do Senado sugerindo medidas concretas, que, se tivessem sido feitas, não estaríamos vivendo o que estamos vivendo com essa intensidade de agora. E teríamos dado outro sinal aos investidores, não sinais de imagem, de discurso e de propaganda. Até as áreas úmidas do Brasil estão pegando fogo, como é o caso do Pantanal. O Fundo Amazônia foi desarticulado, uma parte dos recursos era para um programa de combate às queimadas, e outra parte, para pesquisas e desenvolvimento sustentável. Agora, o governo federal fez o Plano Safra e não cobrou contrapartida ambiental, enquanto deveria ter incentivado a agricultura de baixo carbono. Tudo isso ajuda a reverter o processo, mas o nível de desarticulação e empoderamento com criminosos é tão alto que não é fácil reverter, mesmo fazendo todos os esforços.
Em meio à pandemia, como a senhora avalia a gestão do governo federal em relação ao novo coronavírus?
Sem sombra de dúvidas, está entre as piores do mundo. É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura. Temos uma situação em que o próprio presidente da República desmoralizou, desincentivou e desqualificou as orientações da comunidade científica, de sanitaristas, de médicos e da Organização Mundial da Saúde (OMS), levando o nosso país a esta situação de milhões de pessoas infectadas e com mais de 100 mil pessoas que perderam a vida. E ainda em um platô altíssimo de contaminação e de mortalidade. Então, é a pior condução. Só não está sendo pior, ainda, porque há uma ação do Congresso; houve um esforço para que houvesse um socorro emergencial para a sociedade e, bem ou mal, há ação dos estados.
Em quais ações, na opinião da senhora, o governo está deixando a desejar? Não vamos nos esquecer de que o projeto que o governo mandou originalmente de ajuda emergencial foi de R$ 200. Quem fez o esforço e os debates políticos para ampliar esses recursos foi o Congresso Nacional.
Não vamos nos esquecer que os indígenas foram entregues à própria sorte. Quem fez o esforço para ter um plano emergência aos nossos indígenas foi a deputada Joenia (Wapichana — Rede), com outros senhores parlamentares, na frente indígena, com o apoio do Supremo. Não vamos nos esquecer de que o presidente da República vetou, praticamente, o projeto inteiro, deixando só a emenda e o nome do autor; e que foi o Congresso quem derrubou os vetos de Bolsonaro. Não vamos nos esquecer de que, em uma pandemia em que se precisa proteger a educação, foi preciso um esforço enorme da sociedade e do parlamento para se aprovar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), e que o governo era contra.
O Sistema Único de Saúde (SUS) se fortaleceu em meio à pandemia?
O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da sociedade brasileira, da luta de sanitaristas, de médicos preocupados com a saúde pública e com os mais vulneráveis. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária sem precedentes se não tivéssemos o Sistema Único de Saúde como temos, com todas as suas dificuldades e precariedades. Inclusive, neste momento, até pessoas que antes tinham uma visão crítica do SUS, agora, reconhecem a sua importância. Com certeza, ele sai reconhecido e, assim, deve ser fortalecido. É onde nós temos o atendimento aos mais vulneráveis e onde temos pesquisa de ponta em vários setores, como a FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Existe uma crítica sobre a falta de união da oposição ao governo Bolsonaro. Como analisa esta cobrança?
A primeira coisa que se tem que ter claro é que esse termo genérico, como se a oposição fosse homogênea, não existe. Naquilo que é fundamental para os interesses do país se tem tido uma ação concreta dentro do Congresso. Em relação ao Fundeb, houve uma articulação ampla, que, inclusive, extrapolou a questão de oposição ou não oposição. A renda básica emergencial não seria estabelecida se não fosse a ação do Congresso, no qual há diferentes segmentos da oposição e que fizeram um papel fundamental. Existe um campo do qual eu participo, que fazem parte, também, PSB, PDT, Cidadania e PT, que tem trabalhado muito articulado para que possamos ter uma ação, em primeiro lugar, em defesa dos interesses da sociedade brasileira. Hoje, ser oposição é, sobretudo, estar focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da dignidade humana e defender a democracia. Esse é um trabalho que deve e precisa ser feito.
Acredita ser real o risco à democracia no Brasil?
Ainda que o presidente faça de conta que está operando no dispositivo "paz e amor", no primeiro teste ao qual foi submetido, ele ameaça esbofetear o jornalista que faz uma pergunta. Temos uma situação que a defesa da democracia se compõe da necessidade de respeito à Constituição, à autonomia dos Poderes, à liberdade de imprensa, à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Tudo isso que o tempo todo esse governo ameaça.
“(A gestão do governo federal em relação à pandemia) Está, sem sombra de dúvidas, entre as piores do mundo. Estamos sem ministro da Saúde há cinco meses na crise de saúde pública mais grave deste século. Temos a execução dos recursos da saúde que são vergonhosos diante da necessidade que têm estados e municípios”
“É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura”
“O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da sociedade brasileira. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária sem precedentes se não tivéssemos o SUS como temos, com todas as suas dificuldades e precariedades”
Fonte : Por: Renato Rios.
Por: Maíra Nunes.
Por: Correio Braziliense.
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