Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concederam nesta quarta-feira (19) uma medida cautelar que suspende, até o julgamento de mérito, a aplicação do voto impresso nas eleições de 2014. O voto impresso foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio da Lei 12.034/2009, conhecida como minirreforma eleitoral.
A decisão do STF, unânime, ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4543, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR). O principal argumento da PGR é no sentido de que a impressão do voto fere o artigo 14 da Constituição, que garante o voto secreto.
“A garantia da inviolabilidade do eleitor pressupõe a impossibilidade de existir, no exercício do voto, qualquer forma de identificação pessoal, a fim de que seja assegurada a liberdade de manifestação, evitando-se qualquer tipo de coação”, argumentou a autora da ação.
Relatora
O julgamento de hoje foi conduzido pelo voto da relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que, ao concordar com os argumentos da PGR, afirmou que “o voto impresso, da forma como previsto, afronta, sim, o segredo do voto, o que é direito constitucional fundamental do cidadão nos termos do artigo 14, inciso II e do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição do Brasil”.
O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), destacou o esforço contínuo da Justiça Eleitoral para aperfeiçoar os sistemas de votação, incluindo a biometria, e afirmou que a adoção do voto impresso seria um retrocesso, do ponto de vista tecnológico, “absolutamente incompreensível”.
“Acoplar uma impressora eletro-mecânica às urnas eletrônicas equivaleria, a meu ver, a dotar um avião a jato de uma bússola a vapor”, disse ao destacar que a Justiça Eleitoral precisaria gastar cerca de R$ 1 bilhão para adquirir as impressoras, sem falar na manutenção periódica desse equipamento.
Minirreforma eleitoral
O voto impresso foi aprovado pelo Congresso Nacional em setembro de 2009, na ocasião da minirreforma eleitoral. De acordo com o texto contido na Lei nº 12.034, a urna eletrônica exibirá as telas referentes aos votos digitados e, após a confirmação do eleitor, a máquina deverá imprimir um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital.
A mesma regra também prevê que esse documento impresso seja depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado e, posteriormente, passará por auditoria independente em audiência pública a ser realizada pela Justiça Eleitoral após o fim da votação. O objetivo desse procedimento é comparar o resultado apresentado na urna eletrônica com o resultado dos votos impressos.
Retrocesso
A Justiça Eleitoral posicionou-se de forma contrária ao voto impresso desde a sanção da lei 12.034, por considerar esse procedimento um retrocesso comparado aos tempos de votação manual.
Quando o projeto foi aprovado pelo Congresso, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ayres Britto, chegou a pedir ao presidente da República que vetasse o dispositivo da lei. Na opinião do ministro, não havia sentido ter o voto impresso uma vez que a mesma eficiência de checagem de votos pode ser alcançada por meio eletrônico, dispensando o gasto extra exigido na impressão de votos.
Dias Toffoli
Já o ministro Dias Toffoli, que também compõe o TSE, afirmou que a inclusão do voto impresso na Lei 12.034/2009 resultou de acordo político e era o desejo de uma minoria do Congresso Nacional. Isso porque, segundo ele, para que o texto fosse aprovado com a antecedência de um ano das eleições de 2010 havia uma necessidade de rapidez no processo de aprovação que seria atrasado por essa minoria, caso não fosse incluído o voto impresso.
Ainda de acordo com o ministro Dias Toffoli, a maioria dos partidos “tem absoluta confiança no sistema da urna eletrônica e no Judiciário Eleitoral brasileiro”. Para ele, são alguns casos isolados que se sentiram prejudicados com resultados de votações eletrônicas e que geraram dentro do Congresso Nacional essa idéia de se reintroduzir na legislação eleitoral a necessidade do voto impresso.
“Quem acompanhou a história do processo eleitoral brasileiro sabe que sempre houve apenas um partido político com restrições à urna eletrônica. O PDT, de Leonel Brizola, sempre se opôs a ela, por razões históricas: uma eleição ocorrida no Rio de Janeiro”, disse o ministro Toffoli. Ele citou “a total confiança da ampla e quase unanimidade dos partidos políticos no sistema da urna eletrônica, que foi um avanço histórico.
Tanto é verdade que há legitimidade, segurança e confiança na Justiça Eleitoral que são poucos os partidos que vão ao TSE no dia do lacre da urna (um dos procedimentos de segurança do sistema). Mesmo podendo indicar fiscais, apenas um ou dois partidos comparecem.”
Argumentos
Ao votar pela suspensão do voto impresso, a ministra Cármen Lúcia falou sobre vários aspectos que, a princípio, desaconselham o uso desse recurso. Segundo a relatora, “o segredo do voto constitui conquista destinada a garantir a inviolabilidade do querer democrático do eleitor e a intangibilidade do seu direito por qualquer forma de pressão”.
A ministra lembrou que na história do Brasil foram registrados vícios “não pequenos” nos processos eleitorais, pois a vulnerabilidade do voto era maior pela possibilidade de cobrança feita ao eleitor por candidatos que, imoralmente, cobravam esclarecimentos dos ilícitos acordos e a cobrança de escusos compromissos, o que somente deixou de ser possível com o sistema de votação eletrônica, que garante o sigilo total do voto.
“Não é livre para votar quem pode ser chamado a prestar contas sobre o seu voto”, afirmou a ministra ao destacar que “voto livre é voto secreto”.
Para ela, a urna é o meio de liberdade mais seguro do cidadão e não se pode exigir prova do que esse cidadão fez ou tenha deixado de fazer. “A cabine é o espaço de garantia do cidadão da sua escolha livre e inquestionável por quem quer que seja. A impressão do voto é prova do seu ato. Se o ato é próprio e inexpugnado, qual a necessidade de prova? Se não há de prestar contas, para que o papel?”, questionou a relatora sobre a função do voto impresso.
Em sua opinião, tem razão a PGR ao acentuar na ADI que “a garantia da inviolabilidade do eleitor pressupõe a impossibilidade de existir, no exercício do voto, qualquer forma de identificação pessoal a fim de que seja assegurada a liberdade de manifestação evitando-se qualquer tipo de coação”. Também citou a PGR ao dizer que o sigilo estará comprometido caso haja falha na impressão ou travamento do papel que imprimirá o voto, pois poderá ser necessária intervenção humana para resolver o problema e, dessa forma, os votos ficarão expostos ao servidor que fará a manutenção do equipamento.
“A urna eletrônica atualmente utilizada permite que os resultados sejam transmitidos às centrais sem a identificação do eleitor e com alteração seqüencial dos eleitores de cada seção, o que garante o segredo do voto e a confiabilidade do sistema”, destacou.
Risco de fraude
A ministra lembrou que a introdução de impressoras para cada voto dos mais de 135 milhões de eleitores potencializa falhas e impede o transcurso regular e eficiente dos trabalhos nas mais de 400 mil seções e zonas eleitorais do país. Além disso, destacou que “a porta de conexão do módulo impressor, além de apresentar problemas de impressão, abre-se a fraudes que podem comprometer a eficiência do processo eleitoral”.
Atraso na votação e divulgação dos resultados
Cármen Lúcia também destacou que o voto impresso causará uma demora significativa na divulgação dos resultados da eleição. Segundo ela, a média do tempo de votação na urna eletrônica é de um minuto e meio por eleitor, e, na ocasião dos testes do voto impresso ocorridos nas eleições de 2002 em alguns municípios, essa média subiu para até 10 minutos por eleitor.
O voto impresso já ocorreu no Brasil durante as eleições de 2002 em todas as seções eleitorais de Sergipe e do Distrito Federal e em mais 73 municípios de todas as unidades da Federação. Cerca de 7 milhões de eleitores votaram em urnas com impressão do voto, mas a experiência não foi positiva.
Entre outras desvantagens, o sistema apresentou grande número de falhas, impedindo o transcurso fluente dos trabalhos nas seções. Além disso, os custos de implantação foram muito altos, a demora na votação foi maior que nas seções onde não havia voto impresso, o número de panes foi expressivo nas impressoras e o procedimento na carga dos programas foi mais demorado.
A Lei nº 10.740/2003 substituiu o voto impresso pelo registro digital do voto utilizado atualmente.
Votação paralela
De acordo com a ministra, existem outras formas mais eficientes de fazer essa auditoria dos votos sem o retorno do voto impresso. Um exemplo é a votação paralela, que o TSE já utiliza. Nesse procedimento, o tribunal sorteia uma amostra de urnas que, em vez de serem transportadas para os locais de votação, são levadas a um espaço reservado pelo Tribunal Regional Eleitoral com câmeras de filmagem. Promotores de Justiça, representantes de tribunais e jornalistas são convidados a participar da votação, que é registrada também em um computador, para posterior conferência do resultado.
Todo esse processo é monitorado por uma empresa de auditoria interna e acompanhado pela imprensa, pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por fiscais dos partidos, além de ser aberto à sociedade civil e à imprensa.
Sistema de votação brasileiro é exemplo
Ao final do seu voto, a ministra Cármen Lúcia destacou que o sistema utilizado atualmente pela Justiça Eleitoral vem se mostrando seguro e eficiente e que o aperfeiçoamento é permanente e há de ser buscado continuadamente.
“O nosso sistema é reconhecido como superiormente adequado à garantia da moralidade e da eficiência das votações, sendo modelo brasileiro de votação eletrônica sem contestação”, afirmou ao lembrar que “a segurança, eficiência, impessoalidade e moralidade do sistema de votação eletrônica adotado no Brasil é, não apenas acatado e elogiado em todos os cantos do planeta, como testado em sua vulnerabilidade e comprovado em sua higidez sistêmica e jurídica”.
Fonte:STF.