No aniversário de 75 anos da Chesf, fundada em 15 de março de 1948, a deputada federal Maria Arraes (Solidariedade) defende a reversão da privatização da estatal, que teve o processo de venda aprovado em junho de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro. Em artigo enviado ao Blog de Jamildo, ela fala sobre a reestatização da empresa.
Privatização da Chesf precisa ser revertida
A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, a Chesf de todos os nordestinos, completa hoje 75 anos de atuação em prol do desenvolvimento do Nordeste e do Brasil. A data, que deveria ser de celebração, agora é de luta e de resistência diante das ameaças trazidas pela privatização da controladora Eletrobras.
Fazer a defesa da companhia é fazer a defesa da nossa história, das nossas riquezas e da nossa soberania sobre bens essenciais a qualquer nação: água e energia!
Foi Apolônio Sales, pernambucano da cidade de Altinho e então ministro da Agricultura do governo Getúlio Vargas, o criador do projeto que deu origem à primeira empresa pública de eletricidade do Brasil. A Chesf foi constituída em 15 de março de 1948, com o objetivo de promover o aproveitamento do potencial energético da cachoeira de Paulo Afonso, localizada no Rio São Francisco, entre os Estados de Alagoas e Bahia. Naquela época, o visionário Sales já preconizava que "a presença da energia abundante e permanente a preço razoável é fator decisivo na expansão industrial de qualquer País”.
De lá para cá, a empresa de economia mista se tornou uma potência - e não só de produção, transmissão e comercialização de energia. Desde a sua sede no Recife e por onde se estende a sua atuação no entorno de 16 hidrelétricas, a Chesf gera riqueza econômica, social e cultural. Ao gerir as políticas de uso das águas do Velho Chico, viabiliza abastecimento à população, promove a irrigação, a agricultura familiar, a pesca artesanal e o turismo, entre tantos outros setores que movimenta. Também se revela um instrumento primordial de convivência com a seca que assola a nossa região.
A companhia é parte da identidade do povo nordestino, uma de suas maiores referências e estrutura fundamental na redução das desigualdades regionais. Não por acaso, é cantada em verso e prosa por artistas populares como o nosso grandioso Luiz Gonzaga. Quem não se lembra da música Paulo Afonso: "Vejo o Nordeste; Erguendo a bandeira; De ordem e progresso; A nação brasileira; Vejo a indústria gerando riqueza; Findando a seca; Salvando a pobreza; Ouço a usina feliz mensageira; Dizendo na força da cachoeira; O Brasil vai, o Brasil vai".
Todo esse legado corre o risco de desintegração. E não é de agora! No ano de 1995, em uma carta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, o meu avô, Miguel Arraes, na condição de governador de Pernambuco, já alertava para as consequências de "privatizações selvagens", como a do sistema Eletrobras. Arraes dizia que a venda da Chesf constituiria "um péssimo negócio para o País", uma vez que monopólios privados não se comprometeriam com "a necessidade de preservação do seu ecossistema". Meu avô não poderia estar mais certo.
Marcada por denúncias de irregularidades e ilegalidades, a privatização da Eletrobras, e consequentemente da Chesf, acabou por ser concretizada na nefasta era Bolsonaro. O desgoverno claramente entreguista e servil a interesses de oligopólios internacionais colocou em mãos privadas a gestão do setor elétrico e dos rios onde estão instaladas as usinas hidrelétricas. Isso a preços módicos comprados ao que, de fato, valem as nossas empresas. Não é de estranhar que o grupo que adquiriu a Eletrobras seja o mesmo envolvido no escândalo das Lojas Americanas. Do dia para a noite, acionistas minoritários se tornaram majoritários.
Ainda pelos termos lesa-pátria estabelecidos na operação, apesar de continuar dono de 42% das ações, o governo brasileiro só pode participar das decisões como se tivesse 10%. Outro absurdo é o mecanismo que visa impedir a reestatização da companhia: para readquirir todas as ações, o governo brasileiro precisa pagar três vezes mais pelos papéis do que qualquer outro comprador.
Caso a privatização não seja revertida, os impactos sócio-econômicos e culturais dessa venda podem se tornar irreparáveis para toda nossa região. Além do papel determinante que desempenha como gestora das águas do Rio São Francisco, a Chesf é pioneira atualmente no estudo e investimento em fontes alternativas de energia, com 15 parques de geração eólica e três solares. A companhia é a maior geradora genuinamente brasileira, só perdendo em capacidade para Itaipu Binacional, dividida entre Brasil e Paraguai.
Desde a sua fundação, todas as ações que a Chesf adota têm levado em conta a relação com o meio ambiente e as comunidades. Não é o que vai ocorrer a médio e longo prazo sob gestão privada. Ao contrário: o cenário sombrio que está por vir é de aumento da conta de luz e de desemprego na região Nordeste, que já sofre com a redução da transferência dos recursos. Estimativas da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste apontam que a diminuição deve superar os R$ 6 bilhões ao ano.
A riqueza produzida pela companhia, em vez de contribuir para o desenvolvimento do território onde se situa, tende a ser repassada em forma de lucro para os conglomerados estrangeiros. O papel social da companhia, com o perdão do trocadilho, irá por água abaixo.
Estaremos ainda sob o perigo de enfrentar obstáculos para o uso das águas do São Francisco, sobretudo em época de seca. Sem falar no desinteresse de continuar levando energia para comunidades pobres e distantes, assim como em preservar o rio. À iniciativa privada, vale sempre alertar, interessa a maximização de lucros. Distribuir renda, proporcionar conquistas sociais e combater a desigualdade é papel do Estado.
O controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Nenhum país de base hidroelétrica importante privatiza o setor elétrico. Até nos Estados Unidos, a propriedade e operação das grandes hidrelétricas pertencem a entidades públicas. Da mesma forma, ocorre na China, Rússia, Canadá, Suécia, Noruega, Índia e Japão.
Trata-se de um monopólio estatal natural, em torno do qual gira a produção industrial. Em contrapartida, tarifas elétricas ao sabor do mercado influenciam todos os custos da economia e podem gerar pressão inflacionária, inviabilizar negócios e impactar negativamente o consumo das famílias, principalmente as menos favorecidas. Na prática, além da nossa conta de luz residencial, o preço de tudo que a gente consome e depende de energia para ser produzido deve subir. É só olhar o caso da nossa vizinha Argentina. Com a venda da sua estatal elétrica, a tarifa de energia dos hermanos ficou quase cinco vezes mais cara.
Não podemos permitir que esse panorama se imponha em nosso País. Como vice-líder do governo Lula, faço ecoar o sentimento do presidente e os anseios do povo do Nordeste e do Brasil pela reestatização da Eletrobras. Diante de um processo de privatização obtuso, precisamos voltar a estabelecer um canal de debate amplo com a sociedade sobre a questão. Queremos que a Chesf siga pública e ativa no desenvolvimento da nossa região. Viva a Chesf! Parabéns a todas e todos responsáveis pela grandeza da companhia.
Fonte: Blog de Jamildo.
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