quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Envio de ações à Justiça Eleitoral vira atrativo para investigados e posterga julgamentos

 JOSÉ MARQUES E FELIPE BÄCHTOLD

BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A lentidão no envio de ações e investigações criminais para a Justiça Eleitoral, associada à falta de estrutura do órgão para o julgamento de processos complexos, tem beneficiado ex-governadores que foram alvo de operações por suspeita de irregularidades que envolvem crimes comuns e eleitorais.

Há episódios de extensas discussões sobre o foro correto para o processamento das acusações, além de uma série de recursos das defesas diretamente ao STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir que os casos fiquem sob responsabilidade de juízes eleitorais.

Isso acontece quase quatro anos após o Supremo fixar o entendimento de que a Justiça Eleitoral é responsável por julgar crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando esses casos são investigados junto a suspeitas de caixa dois.

A decisão era contrária ao que defendia a PGR (Procuradoria-Geral da República) -à época comandada por Raquel Dodge-, os membros das forças-tarefas da Lava Jato e também entidades de combate à corrupção.

Um relatório divulgado pela Transparência Internacional em outubro apontou a transferência de casos relacionados a corrupção e lavagem de dinheiro associados a caixa dois para a Justiça Eleitoral como uma das causas que fizeram o Brasil regredir institucionalmente em compromissos anticorrupção.

Um caso recente é o do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL). Denunciado em 2009 sob acusação de falsidade ideológica após investigação da Operação Caixa de Pandora, foi condenado em 2017.

Em 2020, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) manteve a condenação. Seus advogados, então, ingressaram com um pedido direto ao STF pedindo o envio dos autos à Justiça Eleitoral.

Em maio passado, a poucos meses da eleição, o ministro André Mendonça anulou as condenações e determinou o envio dos autos para a Justiça Eleitoral. Dias depois, Mendonça fez o mesmo com uma segunda condenação de Arruda, que o acusava de corrupção de testemunha.

O Ministério Público recorreu, e o caso ainda continua a tramitar no Supremo.

Também no DF, houve o envio para a Justiça Eleitoral de ação penal contra o ex-governador Agnelo Queiroz (PT). O processo é derivado da Operação Panatenaico, que investigou em 2017 supostas irregularidades em obras públicas, como o estádio construído para a Copa do Mundo de 2014.

Ministros do STF que defenderam o entendimento fixado em 2019 apontaram que a legislação é clara ao estabelecer a Justiça Eleitoral como o foro correto para situações desse tipo. O Código Eleitoral afirma que cabe aos juízes eleitorais “julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos”.

A decisão provocou uma corrida para ampliar a estrutura de investigação e julgamento desses casos pelos tribunais eleitorais.

Em São Paulo, chegou a ser implantada em 2020 uma força-tarefa de promotores voltados a destrinchar acusações feitas por delatores de grandes empresas, em iniciativa apelidada de “Lava Jato Eleitoral”.

Um dos principais processos envolvia o ex-governador de São Paulo e atual vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), mas ela acabou trancada em dezembro pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF.

Lewandowski considerou que a acusação usava provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht que já tinham sido invalidadas em decisões contra outros réus, incluindo o presidente Lula (PT).

Pelo país, o cenário é de incerteza em relação ao andamento de processos desse tipo na Justiça Eleitoral.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o envio de um caso de grande repercussão para a Justiça Eleitoral acabou produzindo um périplo dos autos por gabinetes.

Denúncia envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral (ex-MDB) relativa à Operação Furna da Onça, que prendeu deputados estaduais em 2018, tramitava na Justiça Federal até março de 2021, quando o ministro do STF Gilmar Mendes determinou a ida do processo para a Justiça Eleitoral.

A promotora eleitoral responsável concluiu posteriormente que não havia nos autos provas de crimes eleitorais e pediu o arquivamento em relação a esses delitos.

Diante disso, um juiz eleitoral decidiu pedir posicionamento do Ministério Público Federal, que concordou com o arquivamento em relação a crimes eleitorais. O órgão, no entanto, pleiteou o envio do caso para a Justiça estadual para eventual processamento de outros delitos, o que foi feito.

Contrariado, um dos acusados foi novamente ao Supremo, e Gilmar Mendes reafirmou em março que o caso deveria ficar na Justiça Eleitoral. O processo ainda tramita.

Governador de Goiás por quatro mandatos, o tucano Marconi Perillo chegou a ser preso em operação em 2018 e foi denunciado no ano seguinte sob acusação de corrupção passiva, lavagem e organização criminosa relacionada a supostos pagamentos da empreiteira Odebrecht.

O caso também foi enviado à Justiça Eleitoral, mas, no ano passado, decisão de Gilmar Mendes anulou medidas tomadas na época da investigação –o que, na prática, inviabilizou o andamento do processo.

Perillo voltou a ser candidato ao Senado em outubro, mas não se elegeu. “Desde o início essa operação tinha um objetivo claro: o de me prejudicar politicamente”, disse o tucano na época.

No caso do paraibano Ricardo Coutinho (ex-PSB, hoje no PT), as investigações também foram concluídas, mas o andamento travou em uma longa discussão sobre em qual foro as denúncias deveriam tramitar.

A Operação Calvário, deflagrada em 2019, concluiu que o ex-governador liderou organização criminosa que arrecadava propina em contratos estaduais na área da Saúde. Ele também foi acusado por corrupção.

No início de 2020, ele foi denunciado na Justiça estadual. A defesa conseguiu em 2021 decisão do STF para enviar o caso à Justiça Eleitoral paraibana, sob o argumento de que os fatos envolviam caixa de campanha.

Porém a corte eleitoral decidiu devolver o processo para a Justiça comum, por entender que a denúncia trazia a imputação de crime de organização criminosa, sem especificar irregularidades eleitorais.

Em junho passado, novamente o ministro Gilmar Mendes declarou a incompetência da Justiça comum e reafirmou a atribuição da Justiça Eleitoral.

O ex-governador tem dito que a operação foi uma armação e perseguição política.

No Paraná, o tucano Beto Richa chegou a ser preso por três vezes entre 2018 e 2019. Parte das ações penais contra ele foi enviada à Justiça Eleitoral pelo STF. No entanto, outra parte está suspensa e aguarda o STJ decidir se tramitará na Justiça do Paraná ou na Eleitoral. Richa foi eleito deputado federal na última eleição.

Houve também absolvição já definida. Foi o caso de Raimundo Colombo (PSD), que governou Santa Catarina de 2011 a 2018. Acusado de caixa dois com base na delação da Odebrecht, ele foi absolvido na primeira e na segunda instância.

Houve o entendimento de que o Ministério Público não produziu prova suficiente de que o político solicitou, negociou e recebeu repasses da Odebrecht, conforme relatavam os delatores da empreiteira. “A sentença condenatória não pode estar baseada em suposições”, escreveu a juíza responsável, Margani de Mello.

Após ser investigado, Colombo foi derrotado ao concorrer para o Senado nas eleições de 2018 e 2022.
Mesmo antes da decisão do STF, em 2018 o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu enviar os processos do ex-governador de Minas Gerais Fernando Pimentel (PT) para a Justiça Eleitoral.

Em 2015, Pimentel foi alvo da Operação Acrônimo, que investigava suspeitas de lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais -incluindo a do petista em 2014- relacionadas a agências de comunicação e a gráficas.

No total, quatro ações e investigações sobre Pimentel foram enviadas à Justiça Eleitoral. Ele foi absolvido em um dos processos e, em outro, o Ministério Público recorre.

Outros dois, que correm sob sigilo segundo o TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral), ainda não têm decisão. O ex-governador sempre negou as acusações.

por FolhaPress

Fonte: Jornal de Brasília.

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