Foto: AFP / DIBYANGSHU SARKAR |
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 inicia agora uma “nova frente” para apurar a relação entre agentes públicos e privados em negociações no âmbito de aquisições de vacina ou medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, como hidroxicloroquina, conforme ressaltado pelo vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). As dúvidas recaem principalmente sobre o contrato entre o governo federal e a Precisa Medicamentos, representante do laboratório indiano Bharat Biotech, para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin, no valor de R$ 1,6 bilhão.
“Nós estamos abrindo uma nova vertente agora, que é o fato de que ocorreu um cumpliciamento entre agentes privados e agentes públicos em detrimento do erário público, e tem outros elementos, outros crimes a serem investigados, a partir de agora, pela CPI”, disse o vice-presidente da CPI.
Essa nova frente citada por Randolfe não envolve apenas a Precisa, mas também as empresas produtoras de cloroquina e ivermectina. O senador informou que esse “cumpliciamento entre agentes privados e agentes públicos em detrimento do erário público” envolve também as empresas envolvidas com produção de hidroxicloroquina, como a Apsen e a EMS.
Oitiva de servidor
Na próxima quarta-feira (23), os senadores irão aprovar convites para ouvir o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM/DF). O servidor relatou, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), "pressões anormais" no fechamento do contrato de aquisição da vacina indiana Covaxin com o governo federal brasileiro. A intenção era ouvir apenas Luis Ricardo, mas o deputado pediu para ser convidado. As oitivas são consideradas “bombas” pelos senadores.
Questionado sobre o motivo de convidar o deputado a depor, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM) apenas pontuou: "Porque o deputado disse que iria junto ao irmão e que os dois têm o que falar".
Randolfe afirmou que é inevitável ouvir o servidor. “A partir das deliberações que tomaremos amanhã (aprovação de requerimentos de convocação e quebras de sigilo), a comissão entra em uma terceira e decisiva fase, que é a de investigação de outros crimes além dos anteriores. Até então, os indícios eram de crimes contra a ordem sanitária, precarização. Nós vamos entrar agora numa área de investigar a ocorrência de corrupção ativa e passiva por parte de agentes públicos e privados”, disse.
“Não justifica”
Nesta terça-feira, foi divulgado um despacho do dia 16 de junho da procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira no qual ela aponta suspeitas em relação às negociações do governo federal na aquisição da vacina Covaxin. Luciana pede abertura de investigação específica sobre as negociações, ressaltando que apesar de o contrato prever entrega de 20 milhões de doses até 70 dias após a assinatura do contrato (no dia 25 de fevereiro), isso não ocorreu, e também não houve atitude corretiva por parte do governo para a execução do contrato.
“Somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal, uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, pontuou o documento assinado pela procuradora.
Após o despacho, foi aberta uma notícia de fato no 11º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa. Luciana Loureiro ressaltou que “apurou-se que a empresa tem, entre suas sócias, a Global Saúde”. A empresa, segundo a procuradora, há pouco mais de três anos, negociou um contrato “para venda de medicamentos ao Ministério da Saúde mas não os entregou, causando prejuízos a centenas de pacientes dependentes de medicamentos de alto custo, e prejuízo de mais de R$ 20 milhões ao erário, ao que consta ainda não ressarcidos”.
O fato gerou uma ação de improbidade administrativa que recai sobre o então ministro da Saúde Ricardo Barros e de outros servidores. Há um inquérito policial em curso.
Vacinas mais caras
As doses da Covaxin adquiridas pelo governo brasileiro custam US$ 15, valor mais elevado que a da Pfizer, por exemplo, que foi de US$ 12. Essa questão também foi pontuada pela procuradora. À época em que o contrato foi assinado, não havia sequer estudo fase 3 da vacina no Brasil aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Somente em 14 de maio de 2021 a agência deu aval à realização de ensaios clínicos do imunizante no Brasil.
A Covaxin ainda sofre restrições de importação. No início de junho, a Anvisa autorizou somente o uso sob condições controladas, concessão que pode ser suspensa “caso o pedido de uso emergencial em análise pela Anvisa ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) seja negado, ou ainda com base em informações provenientes do controle e do monitoramento do uso da vacina Covaxin no Brasil”, como informa a agência.
Documentos sigilosos entregues à comissão de telegramas do Itamaraty, e revelados pelo Correio na edição de ontem, já mostraram um movimento positivo do governo em relação ao imunizante que ainda não tem autorização de uso emergencial no país.
Em nota enviada ao Correio, a Precisa disse desconhecer oficialmente "qualquer investigação do Ministério Público Federal em relação ao contrato firmado para importação de vacinas", mas que estaria à disposição da CPI para prestar esclarecimentos. Defendeu, ainda, que os preços firmados em contrato com o Brasil foram inferiores aos cobrados a hospitais privados, cujo "preço da dose foi definido em US$ 16".
"A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal".
Apesar das alegações da empresa, os senadores reclamam que documentações com especificações do contrato e detalhamento de valores já requisitados pela CPI não foram apresentados. "O Brasil todo está ouvindo. Não é possível que o Ministério da Saúde não ouça", apelou Omar Aziz, pedindo à pasta uma celeridade.
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