Na primeira conferência reunindo os 27 governadores sem a presença do presidente Bolsonaro, na última quarta-feira, para tratar de coronavírus, dá para concluir que houve, na prática, uma desordem federativa. Pela primeira vez, chefes de Estado se confrontaram, na lei e no direito, com o presidente da República. Saíram do encontro ignorando qualquer recomendação do Planalto.
Foram para o confronto. Além de serem unânimes na reprovação ao tom do discurso do presidente na noite anterior em rede nacional de rádio e TV, afirmaram que suas medidas, mesmo desagradando frontalmente o Planalto, estavam mantidas. Em português claro, isso é desobediência civil. Nunca um presidente foi tão desmoralizado. Bolsonaro insultou os governadores na TV, mas nenhum se curvou a ele.
O Brasil é uma Federação de Estados e o ente mandatário é a União, estando os Estados subordinados e obedientes ao que vier de cima. É verdade que o mundo está em pânico e não convém flexibilizar ou afrouxar medidas para conter o avanço do coronavírus no País, como deseja o presidente. Mas o País não tem, na verdade, um líder, um mandatário, um estadista para um momento tão dramático.
Governador nenhum tem instrumentos para se rebelar contra a União. Os Estados estão quebrados, de pires nas mãos, reféns da União, mas, politicamente, nesse episódio, os governadores se fortalecem, falam grosso diante do que seria o rei soberano, porque tomaram medidas em sintonia com a sociedade, em nome da vida, para evitar que a pandemia resultasse no ceifamento de muitas almas.
O País passa pelo momento mais difícil e complicado dos últimos anos. Em meio às turbulências na saúde e na economia, cresce o questionamento sobre a falta de um governante de visão mais ampla de Estado. Estadista é aquele versado nos princípios ou na arte de governar, ativamente envolvido em conduzir os negócios de um governo e em moldar a sua política.
São nos momentos de turbulências que aparecem as qualidades do estadista. Sob seus ombros e sua responsabilidade, decisões são tomadas. Um líder detentor de autoconfiança consegue determinar os caminhos de uma Nação. São nas crises que se agigantam os líderes que dão novo rumo ao sistema político e aos rumos de seus países. É certamente por isso que Jair Bolsonaro não é a mais genuína definição do que vem a ser um estadista.
Conflito aberto – Com uma postura de minimizar a Covid-19 e criticar medidas tomadas por estados e municípios para evitar a disseminação da doença, o presidente Jair Bolsonaro entrou em conflito com quase todos os chefes de Executivos dos entes federativos. Os ânimos se acirraram de vez durante a videoconferência de Bolsonaro com os governadores do Sudeste. Isso porque Doria e Witzel, possíveis candidatos às eleições de 2022, vêm trocando farpas com o presidente desde o passado. A reunião foi marcada por um bate-boca entre Bolsonaro e Doria. Ao contrário do que insinuava o presidente, os governadores disseram que a prioridade era seguir as determinações da Organização Mundial de Saúde, a OMS, para salvar vidas.
O diplomático – Primeiro governador a decretar medidas de restrição no combate ao coronavírus, como suspensão de aulas e fechamento do comércio, Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, foi diplomático ao comentar o pronunciamento de Bolsonaro. Para ele, o chefe do Executivo federal tem razão em parte ao defender que o país não pode parar: “Não é hora de politizar ou polemizar. Bolsonaro tem parte da razão. Afinal, muitos municípios pequenos, sem qualquer caso de coronavírus, estão fechando”.
Recado da OMS – O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi questionado ontem sobre as declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro de que a doença seria similar a um resfriado. Ele comentou que em várias nações há muita necessidade agora de atendimentos de urgência, por causa da doença. “Em muitos países, o coronavírus é uma doença muito séria”, frisou. “A responsabilidade é de todos, especialmente a liderança política. O governo inteiro deve estar envolvido.”
Mais uma polêmica – O presidente Jair Bolsonaro deu, ontem, mais uma declaração polêmica. Ao chegar no fim da tarde à residência oficial do Palácio da Alvorada, disse que o brasileiro precisa ser "estudado" porque é capaz de pular "no esgoto" sem que nada aconteça com ele. Bolsonaro deu a declaração ao ser indagado se o Brasil não chegará à situação dos Estados Unidos, que, após um mês, acumula quase 66 mil infectados e mais de mil mortos em razão da pandemia do coronavírus. Segundo o presidente, muitos brasileiros já foram infectados e adquiriram anticorpos, o que, afirmou, "ajuda a não proliferar isso daí".
CURTAS
AUXÍLIO MENSAL – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse, ontem, que o valor do auxílio mensal a ser pago aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus pode ser elevado para R$ 500. O valor consta de um projeto de lei que deve ser votado pela Câmara nesta quinta. Em entrevista, Maia também defendeu que a prioridade neste momento não é "o impacto fiscal", ou seja, a queda de arrecadação do governo devido à crise gerada pela epidemia. Para o presidente da Câmara, o mais importante é dar condições para que os brasileiros consigam passar pele crise.
VEM AÍ O PACOTE – A equipe econômica finaliza os detalhes de um pacote para ajudar na manutenção de empregos no País durante a crise do coronavírus. O valor será de pelo menos R$ 36 bilhões ao longo dos próximos três meses. Segundo informaram fontes da equipe econômica, o pacote cria faixas para que o governo subsidie progressivamente o pagamento dos salários, de forma a manter a renda dos empregados e permitir que as empresas não quebrem, em especial micro e pequenos estabelecimentos. O plano é subsidiar até 80% dos empregos formais no país.
ABAIXO AO DECRETO – Do empresário pernambucano Marcelo Luz ao defender, ontem, a volta ao trabalho mantendo os grupos de riscos preservados: “A ordem é preservar somente nossos idosos e doentes, e vamos à guerra! Somos um povo guerreiro! Já sobrevivemos a situações bem piores e delas tiramos muitas lições. Não existe guerra sem baixas! Neste momento, somos todos soldados. Ser soldado, estar em uma guerra e não querer lutar é coisa de covarde. Eu não me incluo entre os covardes. Vamos, portanto, voltar a trabalhar, brigar para derrubar este decreto do governador do Estado e voltar ao trabalho!
Perguntar não ofende: Quando teremos um novo duelo entre o presidente e os governadores?
Fonte: Blog do Magno Martins.
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