Para Marcel Proust, a vida é um labirinto de tempo, em que passado, presente e futuro se entrecruzam como trilhos. O tempo tem origem nas memórias, ensina Proust, “mas, para desfrutar da essência das coisas, é preciso achar-se fora dele”. Obviamente, o ensaísta francês jamais embarcou em um trem do Metrô de Recife. Se o fizesse, talvez chegasse à conclusão que a vida não é só um labirinto de tempo, mas também de espaço. Ali, informações desencontradas se entrecruzam. Assim, perde-se tempo. E perde-se no espaço.
Sem a pretensão de elocubrar conceitos filosóficos, foi essa sensação que o repórter forasteiro aqui teve ao encarar, pela primeira vez, uma aventura no metrô da capital Pernambucana. Para além do frevo, o Galo da Madrugada e o sotaque agradabilíssimo do povo, pouco conheço do Recife. Sem norte no metrô local, esse baiano de Salvador deparou-se com falta de sinalização adequada e informações contraditórias, apesar da boa vontade da população.
A ideia era sentir na pele o que milhares de visitantes sofrem todos os dias – e talvez sofram durante a Copa do Mundo - nas 29 estações por onde passam diariamente 350 mil usuários. Nosso destino? A Arena Pernambuco, claro, com partida na Estação Recife, no Centro. Havia a primeira impressão de que seria uma tarefa fácil. Pelo mapa, o trajeto é cumprido em uma linha reta, sem troca de trens.
Engano. A primeira constatação é de que não há balcões de informação ou prepostos capacitados para isso. Na maioria das vezes, a tarefa de orientar os “sem bússola” fica com funcionários da limpeza e seguranças. “Nosso trabalho é dar segurança, mas também damos informações, né?”, garantiu o vigilante Hector Serafim. “Mas o senhor fala inglês?”, perguntei.
Após mais de duas horas de idas e vindas, o novo estádio surgiu como um oásis em meio ao deserto de informações no caminho. Foto: PAULO PAIVA/DP/D.A PRESS |
“Negativo. Não tamos preparados pra isso ainda, não. Aos estrangeiros indico aquele mapa ali”. Acontece que o mapa só falava uma língua: a nossa. Assim como as indicações para as situações de emergência.
Melhor procurar a bilheteria. A funcionária que vendeu a passagem foi categórica. “Você pega para Cajueiro Seco”. “Cajueiro o que?”, quis confirmar. “Cajueiro Seco. Você desce lá e pega um ônibus para a Arena”, repetiu. Em poucos minutos percebeu-se que a cidadã não tinha muito senso de localização. “Olha aqui, ó. Cajueiro Seco é do outro lado do mapa. Não tem nada a ver. Você tem que pegar Camaragibe”, ensinou o metalúrgico Lincon Barbalho. Comerciantes confirmaram a informação e segui para Camaragibe.
Apesar do alívio de, aparentemente, ter encontrado a trilha correta, nessa hora uma enorme escadaria fez o suor escorrer na testa. A escada rolante estava quebrada. “Cansa, viu”, queixou-se a aposentada Ana Maria da Silva, 66 anos. Ao embarcar no trem, o ar condicionado agradou de cara. Mas o pedreiro Manoel Ferreira, 29 anos, afastou logo a alegria de pobre.
“É porque essa hora tá vazio. De manhã cedo e de tarde, quando enche, é um calor infernal. Ninguém guenta”, avisou. Não foi a única reclamação ao longo do caminho. “Depois das 15h você não entra, é arremessado para dentro. Quem sofre mais é idoso, gestante e deficiente”, afirmou, indignada, a gazeteira Shirlei de Brito, 33 anos. Quando perguntei sobre a melhor forma de buscar informações no Metrô: “Eu pergunto mais aos outros passageiros que aos próprios funcionários”, disse o serralheiro Cristiano Cardoso, 33.
Desembarque
Na chegada a Camaragibe, Região Metropolitana do Recife, o que deveria ser um passeio até um estádio de futebol transformou-se num labirinto de informações. Primeiro que não havia qualquer indicação de que a Arena Pernambuco fica naquela região. Aliás, em nenhum mapa ou letreiro do Metrô está sinalizado algo do tipo. É como se a obra de R$532 milhões não existisse. Pior. Descobri que o acesso não se dá por Camaragibe. “Por aqui tu só vai dia de jogo. Você vai ter que ir para a Estação de Cosme e Damião e, de lá, pegar o carro até a Arena”, disse Edson Santana, cobrador do próprio metrô. O funcionário sentado próximo às catracas discordou. “Você só vai conseguir na Estação Rodoviária porque Cosme Damião tá de (em) reforma”.
Nas bilheterias não há informação precisa nem mesmo em português. Foto: ANNACLARICE ALMEIDA/DP/D.A PRESS |
Estava feita a confusão. Um usuário apareceu lembrando do caos que ocorreu na Copa das Confederações, em junho do ano passado. “Eu fui para Espanha x Uruguai e foi uma agonia”, relatou o aposentado João Batista dos Santos, 46 anos, em discussão com outro funcionário do metrô para indicar o melhor caminho até a Arena. “O senhor vai pela Estação de São Lourenço”, afirmou seu João. “Não, o correto é ir pela Rodoviária e de lá você pega a integração até São Lourenço, de onde pega o TIP até a Arena”, retrucou o servidor.
Desorientado, já sem tempo - e paciência - desisti de chegar à Arena através de transporte público. No carro de reportagem, o motorista do Diario, Clécio Santos, tentou um caminho que ainda está em fase de construção. Seu Clécio acabou se perdendo também. “O caminho vai ser esse, mas ainda tá em obra. Tem que ir pela BR”, explicou um morador.
Enfim, acessando a BR-408 pelo centro da cidade de São Lourenço da Mata, chegamos ao estádio mais de duas horas e vinte minutos depois de adentrar a primeira estação. Perdido no tempo e espaço, descobri que no metrô de Recife nem sempre quem tem boca vai à Arena Pernambuco. Talvez Proust explique.
Alexandre Lyrio
Especial para o Diario.
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